Saturday, May 29, 2010

Poema de Sábado

If
Se

IF you can keep your head when all about you
Se conseguires manter a cabeça no lugar enquanto todos ao redor
Are losing theirs and blaming it on you,
a perdem e culpam a ti ,
If you can trust yourself when all men doubt you,
Se puderes acreditar em ti enquanto todos os homens duvidam,
But make allowance for their doubting too;
permitindo o benefício da dúvida;
If you can wait and not be tired by waiting,
Se puderes esperar sem se cansar,
Or being lied about, don't deal in lies,
Ou para ti mentirem, mas não acreditares nas mentiras,
Or being hated, don't give way to hating,
Ou sendo odiado, não os odiar,
And yet don't look too good, nor talk too wise:
E ainda assim não querer parecer bom, ou mostrar-se sábio:

If you can dream - and not make dreams your master;
Se puderes sonhar - e não fazer dos sonhos teu mestre;
If you can think - and not make thoughts your aim;
Se puderes pensar - e não fazer dos pensamentos teu alvo;
If you can meet with Triumph and Disaster
Se puderes encontrar Triunfo e Desastre
And treat those two impostors just the same;
E tratar esses dois impostores do mesmo modo;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Se puderes suportar ouvir a verdade que falas
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Distorcida por patifes para enganar aos bobos,
Or watch the things you gave your life to, broken,
Ou ver aquilo pelo que deste tua vida, quebrado,
And stoop and build 'em up with worn-out tools:
E ainda consertar e reconstruir com ferramentas já gastas:

If you can make one heap of all your winnings
Se puderes fazer um amontoado de todos os teus prêmios
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
E arriscá-los em uma só jogada,
And lose, and start again at your beginnings
E perder, e recomeçar do zero
And never breathe a word about your loss;
E nunca reclamar das tuas perdas;
If you can force your heart and nerve and sinew
Se puderes forçar teu coração e nervos e energia
To serve your turn long after they are gone,
Para fazer tua parte mesmo tempos depois que todos se forem,
And so hold on when there is nothing in you
E ainda assim suportar o vazio ao redor
Except the Will which says to them: 'Hold on!'
Com exceção da Vontade que diz a todos: "Aguenta"

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Se puderes falar às multidões e ainda manter a virtude,
Or walk with Kings - nor lose the common touch,
Ou caminhar com Reis - sem perder o jeito simples,
if neither foes nor loving friends can hurt you,
Se nem inimigos ou queridos amigos puderem te machucar,
If all men count with you, but none too much;
Se todos os homens contarem contigo, mas sem excesso:
If you can fill the unforgiving minute
Se puderes sentir o minuto imperdoável
With sixty seconds' worth of distance run,
Com apenas sessenta segundos restantes para correr,
Yours is the Earth and everything that's in it,
Tua é a Terra e tudo que nela há,
And - which is more - you'll be a Man, my son!
E - o que é ainda mais - tu serás um Homen, meu filho!

(Rudyard Kipling, escritor e poeta inglês
autor de The Jungle Book - Mogli, o menino lobo)

Wednesday, May 26, 2010

Volunteering

Descobri uma coisa que faz tão bem para alma quanto livros...
Trabalho voluntário!

MVLA Adult Education Center é um centro comunitário financiado pelo Estado que oferece aulas de alfabetização, cursos técnicos e auxílio psicológico para famílias de baixa renda em Mountain View, Califórnia, cidade onde moro.
Para incentivar os pais a participar das aulas, o centro decidiu abrir uma escolinha para crianças de 0 a 5 anos... enquanto os pais estudam, as crianças são cuidadas por professoras, pedagogas, psicólogas e voluntárias.
É aqui que eu me encaixo... e é onde me deleito.
Duas vezes por semana passo a manhã com crianças de 2-5 anos, fazendo atividades direcionadas para o desenvolvimento motor e intelectual daqueles pequenos. É minha primeira experiência com crianças e tem sido tamanha alegria... o tema é diversão, muita brincadeira... mas as brincadeiras têm todo um cunho educativo e é uma delícia ver quão ávidos e abertos eles são para aprender o novo e para experimentar.

Eu já havia feito trabalho voluntário numa escola para deficientes físicos e mentais mas não cheguei a interagir com eles, o que foi uma pena (tinha que ter todo um preparo e permissão do conselho local!). Fazer atividades com crianças é sempre um desafio, é necessário muita energia e novidade, monotonia não faz parte do curriculum deles... mas o que mais vale a pena é ver o sorriso no rosto da Nika quando ela diz: "Porfessora, esse é o eeesss eeesss eeess de ssssnake, sssssnake!"... ou quando o Suraj de 4 anos, que está em observação por seu comportamento violento, olha pra mim enquanto quase discute com o Diego e diz: "I have to try to use my words, isn't it teacher?" (Tenho que tentar usar as palavras né professora?).

Trabalho voluntário muda perspectivas, faz a gente se sentir mais útil pro mundo, pra sociedade... é reconfortante, dá um gostinho de que um tijolinho a mais está sendo colocado na muralha da vida... Se você nunca experimentou, deveria! Há muitas vidas que precisam de uma mão, há muitos locais que precisam de ajuda...

Achei esse site para trabalho voluntário no Brasil... quem se interessar:


Saturday, May 22, 2010

Poema de Sábado

Caminho a teu lado mudo


Caminho a teu lado mudo
Sentes-me, vês-me alheado...
Perguntas: Sim... Não... Não sei...
Tenho saudades de tudo...
Até, porque está passado,
Do próprio mal que passei.
Sim, hoje é um dia feliz.
Será, não será, por certo
Num princípio não sei que
Há um sentido que me diz
Que isto — o céu longe e nós perto
É só a sombra do que é...

E lembro-me em meia-amargura
Do passado, do distante, E tudo me é solidão...
Que fui nessa morte escura?
Quem sou neste morto instante?
Não perguntes... Tudo é vão.

(Fernando Pessoa, Poesias Inéditas)

Thursday, May 20, 2010

Jacob's Room (Virginia Woolf)

Eu demorei para ler Virginia Woolf, tantos sugeriram e eu adiava... esquecendo que Woolf foi inspiração para Clarice Lispector, agora eu sei quanto em comum as duas tem.

A história de Jacob's Room - O quarto de Jacó, em português - se passa às vésperas da Primeira Guerra Mundial e é cheia de detalhes físicos e geográficos. Jacob's room traz o relacionamento entre pais e filhos como tema, o relacionamento de Jacob com sua mãe molda sua odisséia da infância à vida adulta.

Lendo a Introdução do livro, entendi que Virginia usa muito simbolismo em suas histórias, há várias "figuras" que reaparecem em diferentes obras - "o cair de uma única folha", "o crânio" (em JR um é achado por Jacob na praia e trazido para casa), "a árvore caída". Virginia também menciona por diversas vezes "sapos" durante a obra, lendo a Introdução entendi que Woolf acreditava piamente que sapos eram insetos e não anfíbios.

Virginia usa vários recursos para que o leitor guarde na memória certas cenas durante a leitura, algumas vezes cortando diálogos pela metade, adicionado fatos não relacionados com o curso da história - a chamada digressão, também usado por Mário de Andrade. Fora as repetições, onomatopéias e por aí vai.

A história começa com Jacob Flanders ainda criança, mostra sua inocência no ambiente praieiro em que nasceu. Betty Flanders é uma mãe super-protetora mas desatenta, vive nas nuvens - a primeira impressão que tive é a de que ela era fútil, um tanto atrapalhada e inexperiente, como aquelas mulheres que casam super cedo e são obrigadas a amadurecer quando os filhos chegam, no caso dela o amadurecimento não chegou ainda, há um quê de infantilidade e inocência em suas ações - recusa a declaração de amor de Mr. Floyd - clérigo da paróquia local, professor de Latim de seus três filhos, oito anos mais novo que ela -  porque não gosta de homens ruivos.

O tempo na história passa rapidíssimo, poucos parágrafos depois, Jacob já está a caminho de Londres para cursar a faculdade, escolheu um quarto no último andar do prédio da Corte Neville da Faculdade Trinity de Cambridge, estrategicamente situado ao lado da Biblioteca Wren - e é esse quarto que dá nome a história.

Apaixonado por Literatura, Jacob trava diálogos e debates com seus amigos sobre os prazeres das linhas de Virgílio, Byron, Shakespeare, Spinoza, Dickens, Carlyle e até mesmo Jane Austen, sem esquecer seu respeito enorme por autores gregos (tanto que os últimos capítulos são dedicados à viagem de Jacob à Grécia, para pisar na mesma terra e ver as mesmas paisagens vistas pelos grandes pensadores!). Fora de seu pequeno círculo social, Jacob é introvertido, de poucas palavras. Sem mesmo saber-se o porque, aqueles a quem é apresentado gostam dele logo de cara, há algo curioso em Jacob que atrai e agrada os que o cercam.
"(...) presume-se que ele seja de um jeito ou de outro - para ela, pelo menos - agradável, bonito, interessante, primoroso, de boa família, como seu próprio filho? É preciso fazer o melhor que se pode com tal relatório. De qualquer modo, esse era Jacob Flanders, dezenove anos." (pag. 24)

Após a mudança de Jacob para Londres, Virginia muda o foco para a vida social de Jacob e isso inclui sua vida sexual também. Essa é a primeira obra em que Virginia aborda o tema sexualidade tão abertamente. Jacob vê as mulheres como objeto, é bastante crítico e severo quanto as suas opiniões sobre o sexo feminino. É como se as mulheres fossem seres inferiores, se observarmos com que facilidade Jacob parte de uma mulher para a outra... começando com a mãe. Clara Durrant foi a primeira, não tiveram um relacionamento sexual mas o joguinho de olhares e visitas fez que com que Clara se apaixonasse e assim ficasse durante toda a história, iludida e esperançosa.

Florinda não tem família, não tem ninguém que a controle ou para quem retornar no fim do dia. Por ser órfã, Jacob não tem que se preocupar com a opinião dos pais (o caso de Clara), e o que faz a situação mais conveniente é que Florinda não têm vínculos que a encaixem num seio familiar, ou que a conduza ao desejo de construir uma família. Florinda é uma criatura atormentada mas cheia de apelo sexual, que guarda dentro de si um Jacob idealizado, por ele ela lê clássicos, visita museus, tenta ser culta. Jacob, por sua vez, sente-se tão perturbado por tamanha atração carnal que por vezes ameniza sua opinião sobre ela. A relação dos dois causa curiosidade porque eles são tão opostos, em todos os quesitos, especialmente o intelectual. O quarto de Jacob testemunha a conexão dos dois... até que Jacob vê Florinda nos braços de outro.
"Florinda - (...) seu vocabulário é abominável. Seus sentimentos infantis." (pag. 81)
Se Jacob é introvertido e calado, por outro lado sua mãe é uma tagarela. Quando ela não consegue trazer o filho para si, ela se faz presente através de cartas. De certa forma ela consegue colocar em Jacob alguns de seus valores familiares, e é após ler suas cartas que Jacob sente alguma ternura pelas mulheres com quem se relaciona.

Até aqui os desejos de todas essas mulheres são sujeitos às vontades de Jacob, seus desejos são por vezes incontroláveis e confusos, ambivalentes, questionáveis e problemáticos. Até aqui. Quando conhece Sandra Williams, na viagem pela Grécia. Nesse ponto a narrativa sucumbe à sua atração fatal, e Jacob se vê vítima de seu próprio comportamento, torna-se ele mesmo um objeto... o objeto de Sandra que faz dele um cachorrinho.

Por Sandra ele visita Constantinopla, escala o Pentelicus e vai a Acropolis, busca conhecer mais sobre a Grécia e seu povo. Sandra é casada e viaja com o marido. Ela é um personagem quase que cômico, sente uma certa atração por Jacob mas o fato de ter um homem mais novo apaixonada por ela massageia seu ego. Ela controla Jacob mantendo-o a uma certa distância, sabendo que ele é bonito mas perigoso (pag. 125) e ironicamente, o relacionamento deles lembra o leitor de um outro relacionamento de Jacob, que também se dá através de cartas... o da sua mãe.

E eu pensando que Virginia Woolf não era lá tão feminista...
"O problema é insolúvel. O corpo é preso ao um cérebro. Beleza anda de mãos dadas com estupidez". (pag. 68)

Saturday, May 15, 2010

Poema de Sábado


Young and Old
Jovem e velho

When all the world is young, lad,
Quando o mundo todo é jovem, meu caro,
And all the trees are green;
E todas as árvores verdes;
And every goose a swan, lad,
E todo ganso é cisne, meu caro,
And every lass a queen;
E toda jovem uma rainha parece;
Then hey for boot and horse, lad,
Diga oi para cavalo e botas, meu caro
And round the world away;
E viaje mundo afora;
Young blood must have its course, lad,
Sangue jovem deve seguir seu destino, meu caro,
And every dog his day.
Assim como um cão segue seus dias.

When all the world is old, lad,
Quando todo o mundo é velho, meu caro,
And all the trees are brown;
E as árvores se tornam marrons;
And all the sport is tale, lad,
E a vida esportiva é passado, meu caro,
And all the wheels run down;
E os pneus já não são bons; 
Creep home, and take your place there,
Vá para casa, e busque lá morada;
The spent and maimed among;
Entre os gastos e mutilados;
God grant you find one face there,
Que Deus te abençoe ali com um rosto,
You loved when all was young.
Que quando jovem amaste.

(Charles Kingsley, 1819-1875)

Thursday, May 13, 2010

The Girl with the Dragon Tattoo (Stieg Larsson)

Primeiras linhas:

"Acontecia todo ano, era quase um ritual. E esse era seu octagésimo-segundo aniversário. Quando, como de costume, as flores foram entregues, ele retirou do papel que as envolvia e pegou o telefone para ligar para o Detetive Superitendente Morell que, quando se aposentou, mudou para o Lago Siljan em Dalarna".
The girl with the dragon tattoo (A garota com tatuagem de dragão) - Os homens que não amavam as mulheres, em português (o que é a tradução correta do sueco Män som hatar kvinnor) é a primeira obra da trilogia Millennium do escritor Stieg Larsson.

Harriet Vangler, sobrinha de Henrik Vangler - o presidente das Corporações Vangler, grande fabricante de eletro-eletrônicos da Suécia - desaparece em 1966 aos 16 anos de idade, no dia da reunião familiar anual. Seu corpo nunca fora encontrado, as investigações policiais foram inconclusivas e o caso é arquivado anos depois por falta de novos fatos. Tudo parece ser ironia do destino, se não fosse pelo detalhe de que Henrik planejava ter a sobrinha querida como futura presidente de suas empresas. Sabendo do histórico negro de sua família, Henrik acredita que o assassino de Harriet é membro do clã Vangler - uma das pessoas presentes naquela dita reunião.
"Harriet era a menina dos meus olhos. Tentei dar a ela senso de segurança e desenvolver sua auto-confiança (...) eu a via como minha própria filha, e ela acabou se aproximando mais de mim do que de seus pais." (pag. 91)

Quando o jornalista financeiro Mikael Blomkvist perde o processo movido pelo magnata Wennerström, Blomkvist se vê obrigado a afastar-se da revista Millennium, em que trabalha como sócio e editor. Os anunciantes já haviam começado a cancelar seus anúncios na revista, os lucros estavam em queda e a reputação da revista, reconhecida por expor as fraudes e corrupções de corporações e grupos financeiros, estava em risco. É nesse período de turbulência que Blomkvist é procurado pelo advogado da família Vangler - resolve o mistério da morte de Harriet e tens a cabeça de Wennerström numa bandeja!

Lisbeth Salander é detetive particular da Milton Security - a frase "não julgue um livro pela capa" aplica-se a ela. Aos 24 anos, passou parte da vida em reformatórios, foi presa, sofreu abusos físicos e morais, bebe além da conta, tem curiosidade sexual, e vive sob o controle de um guardião de justiça, que controla seus bens e seus passos. Lisbeth é uma hacker altamente profissional.
"Ela tinha uma vespa tatuada no pescoço, um laço tatuado ao redor do biceps do braço esquerdo e outro ao redor do tornozelo (...) Armansky também viu que ela tinha uma tatuagem de dragão no ombro esquerdo." (pag. 38)

Como esses personagens se encaixam na história é coisa que não se explica, é preciso ler e se envolver com a história - o que não precisa de esforço porque o mistério em torno do caso Harriet faz com que não se queira parar de ler. Por vezes me questionei... mas sim, como que os fatos se encaixam? Mas a trama é tão bem escrita que só comecei a suspeitar que havia descoberto o mistério lá pela página 430. A história envolve história, religião, crimes contra mulheres, prostituição... é uma teia tão bem entrelaçada que até o leitor tenta investigar a trama.

Quando terminei de ler o livro fui para minhas pesquisas na internet e descobri que o filme havia sido lançado em Fevereiro aqui nos EUA... apenas 2 cinemas estavam exibindo, corri para assistir no mesmo dia. O marido não leu o livro mas eu havia contado alguns fatos da história... alguns.

O filme é muitíssimo superficial e amenizou o comportamento de vários personagens. Isabela Boscov comentou no site da Veja (aqui) que o filme é fidelíssimo ao livro - NÃO! Não é. Se considerarmos que não mudaram o final sim... mas isso não significa muita coisa se outros fatos na história foram mudados - Blomkvist é um jornalista competente, um pai pouco presente (no filme ele nem tem filha) e tem uma queda por mulheres atraentes (tem um caso de 20 anos com Erika Berger, sócia-presidente da Millennium - o que é de conhecimento de todos, inclusivo do marido de Erika), e Erika é muitíssimo presente na história e exerce influência na vida de Mikael (no filme ela aparece apenas duas vezes e totalmente fora do caráter real da personagem); durante a investigação do caso Harriet ele também tem um caso com Cecília Vanger (no filme percebe-se uma atração entre os dois mas Blomkvist prefere não misturar as coisas...) e daí vem a situação com Lisbeth.

O que também foi "esquecido" no filme foi o fato de que Blomkvist só aceitou investigar o mistério de Harriet porque Henrik Vangler tinha uma carta na manga que ajudaria a revista Millenium desmarcarar Wannerström... o que, na minha opinião e do marido, deixou a história sem explicação - ok, do nada ele decidiu investigar um crime de mais de 40 anos por pura ação de bom samaritano? - Pelo livro tem-se mais noção da teia investigativa, das pistas seguidas, da extensão de raciocínio e lógica usada por Blomkvist e a paradoxal Lisbeth.

Lisbeth no livro é totalmente introvertida, reservada e tem uma grande barreira comunicativa - suas frases são monossilábicas... entende-se que não se pode fazer um filme mudo, é preciso conteúdo, mas é exatamente essa barreira comunicativa que Larsson tanto enfatiza no livro e que marca a personalidade de Lisbeth... as palavras não ditas são expressas em sua aparência, suas tatuagens, suas roupas... as camisas com slogans... e especialmente no seu trabalho. Ela pouco fala mas é capaz de escrever relatórios em gramática perfeita e rebuscada, suscinta e objetiva... o que a faz a melhor detetive da Milton Security. Suas tatuagens são lembretes das brutalidades que sofreu (o filme nem menciona esse ponto) - explícito após o incidente com seu novo guardião. A mãe, que mora em um asilo, é seu único elo familiar, é a quem dedica seus momentos ternos, visitando regularmente - situação que é distorcida no filme.


"Quando terminou, ela pulou para o quarto e vestiu jeans, e uma camiseta que dizia O FIM DO MUNDO FOI ONTEM, HOJE O QUE TEMOS É UM GRANDE PROBLEMA" (pag. 330)




Stieg Larsson foi editor da revista sueca Expo e especialista em extremistas anti-democráticos de esquerda e organizações Nazistas. Faleceu em 2004 logo após entregar os manuscritos das três obras que compõe a série Millenium - The girl with the dragon tattoo, The girl who played with fire, The girl who kicked the Hornet's nest - todos já em versão cinematográfica, diga-se de passagem.

Sunday, May 9, 2010

As Três Marias (Rachel de Queiroz)

Minha vontade ao ler as primeiras linhas de As Três Marias foi colocar Guta no colo e abraçá-la apertado. Maria Augusta perde a mãe muito cedo. O pai casa novamente e a madrasta, apesar de tratá-la decentemente, decide mandá-la para um internato, um colégio de freiras no Ceará... é aqui que a história começa...

Como toda novata em um ambiente desconhecido, Guta sofre os olhares curiosos e comentários das veteranas. Tímida, envergonhada e pouco comunicativa, Maria Augusta sente-se sozinha, abandonada pelo mundo e a família, sem amigos, sem lar, sem o amor que tanto necessita. É no internato que ela passará grande parte da história - seu fim de infância e começo da adolescência - onde o mundo lá fora parece um sonho irreal, um planeta distante que só se ouve falar, mas nunca se consegue realmente ver.

"Na cama - tudo calado - (...) minha tristeza afinal explodiu, e chorei, chorei até esgotar todos os soluços, todas as lágrimas, chorei até dormir, exausta, desarvorada, rolando a cabeça dolorida, sem repouso, no travesseiro quente e duro". (pag. 17)
Maria da Glória e Maria José, complementam o trio que dá nome a história - e sugerido pela Irmã Germana, alusão à constelação das Três Marias (Orion) - em pouco tempo as três viram uma. Amigas confidentes, apesar de tão diferentes - personalidade, história de vida, vontades e desejos - e o leitor acompanha o desenvolvimento dessas três meninas, suas fantasias sobre o mundo lá fora, as dores, as decepções de vidas inexperientes, privadas de conhecimento exterior... acreditavam no amor dos livros, dos romances franceses que entravam às escondidas no colégio e passavam de mão em mão, tantos e tantos deles.

Compartilhavam não apenas o tempo e as idéias, mas também amores... Maria da Glória, que aprendera a tocar violino com o falecido pai, tem a oportunidade de tocar com a orquestra do Teatro local. É lá que conhece e se apaixona pelo moço estrangeiro, seu primeiro amor, dividido e experienciado com a mesma intensidade pelas outras duas.

"Ele começou a namorar com Glória, logo que entendeu os olhos com que o olhava, e foi como se nos namorasse a todas, porque todas a três começamos a amá-lo, embora Maria José e eu nunca o tivéssemos visto". (pag. 58)
Mas o tempo passa, elas crescem, e a vida fora do convento não é tão surreal quanto parece. O peso de ser gente grande é duro de carregar. O destino as levam para direções diferentes mas a amizade permanece e através das três percebe-se o tema que marca várias obras de Rachel de Queiroz - a representação da mulher na sociedade, seu papel. Glória casa bem, e logo é mãe. Maria José casa com sua religião enquanto leciona para crianças. Guta recusa-se a virar empregada da própria família, muda para a capital e vira datilógrafa, tem sede de aventuras, quer experimentar, quer deixar o cais.

Os personagens secundários tem suas histórias começadas e terminadas praticamente no mesmo capítulo e esse foi um detalhe que eu gostei na obra de Rachel, não tem enrolação... não é preciso esperar ansiosa por capítulos e capítulos para saber no que acaba aquele fato. O cenário nordestino como pano de fundo me fez ter saudades dos meus meses de férias no Ceará... o sertão de Juazeiro, as viagens de ônibus por aquelas estradas de terras áridas, cactosas.

 A escrita é simples, narrado em primeira pessoa por Maria Augusta, o que permite que o leitor compartilhe seus sentimentos profundos, suas dores, suas curiosidades, fatos não compartilhados com Glória e Maria José. É um livro delicioso de ler, leitura rápida mas agradável, Guta demonstra força e iniciativa em muitos momentos decisivos em sua vida, mas acredito que a passividade em outros tantos momentos, alguns podem dizer inexperiência, evita que ela quebre o ciclo, tome o próximo passo. É como se ela não acreditasse nela mesma e deixasse as coisas correrem... a vida levar.

E no final me peguei novamente querendo colocá-la no colo e abraçá-la apertado...

Friday, May 7, 2010

...



"Naquelas ocasiões quando ela usara camiseta, Armansky também vira que ela tinha uma tatuagem de dragão no ombro esquerdo. Ela tinha cabelo vermelho natural, mas pintava o cabelo de preto azulado. Sua aparência era a de quem acabara de voltar de um fim-de-semana de orgia com uma gangue de roqueiros (...) Quando acabou, ela correu pro quarto e vestiu a calça jeans e uma camisa que dizia O FIM DO MUNDO FOI ONTEM - HOJE O QUE TEMOS É UM GRANDE PROBLEMA"
 
(Stieg Larsson, The girl with the dragon tattoo - pag. 38, 330)



Wednesday, May 5, 2010

Foto: Santa Cruz, CA,
terminando a leitura de East of Eden


"Nesta nova fase comecei a ler como adolescente, como a quase mulher em que me ia transformando depressa. A querer os livros onde falassem de amor, os eternos e róseos romancinhos franceses, em que homens cheios de espírito e de tédio, cansados das sereias e dos paradoxos, se apaixonam pelas ingênuas de dezesseis anos".
(Rachel de Queiroz, As três Marias - pag. 33)

Monday, May 3, 2010

Lord of the Flies (William Golding)

Já faz quase dois anos que li esse livro e nunca comentei sobre ele.
Esse foi o primeiro livro que li que me causou desconforto, desconforto emocional. Lembro que passei noites sem dormir, não conseguia esquecer as imagens que minha mente formou enquanto lia. Terror.

Eu não lembro cada detalhe da história (assim depois de tanto tempo) mas decidi falar desse livro porque ele estava pertinho do livro do Edgar A. Poe, escolhido para o último Poema de Sábado (aqui), e lembrei que ainda não havia comentado sobre ele no A Ship Made of Books.

Lord of the FliesO Senhor das Moscas, em português - conta a história de um grupo de crianças inglesas perdidas numa ilha - não lembro exatamente como elas chegaram lá e porque não havia adultos com elas - e a jornada travada por elas para sobreviver.

As primeiras crianças aparecem na praia - Ralph e Piggy são os primeiros a interagir mas logo outras aparecem vindas da floresta e em pouco tempo há um grande grupo de crianças. Uma pequena sociedade se forma, é preciso caçar para comer, é preciso se organizar, os menores são frágeis e dependentes, mas o instinto de sobrevivência dos mais velhos fala mais alto. As tarefas são divididas e Ralph é votado o lider do grupo até que Jack começa a reinvidicar o posto - vindo de uma educação mais rígida, com habilidades de escoteiro, ele acredita que tem mais capacidade de lidera-los, fora que também tem outros pertencentes ao seu grupo que o apoiam.

Lord of the Flies mostra como a sociedade gira em torno do poder e nisso há uma raiz malvada, não importa se são apenas crianças, há uma força interior que fala mais alto. Os fortes tentarão submeter os fracos às suas vontades, às suas leis, não importa o que terão que fazer - é a lei da selva, a lei da sobrevivência e luta-se com as armas que tem. Se Jack é bom caçador e consegue carne, os que desejam comer carne terão que aceitar Jack como lider.

Em um dado momento na história, os menores dizem ver "coisas" durante a noite e recusam-se a dormir, um certo medo se instala entre as crianças; outros dizem que ver alguém no topo de uma montanha e seria de lá que as "coisas" viriam durante a noite.

"A cabeça, pensou, parecia concordar com ele. Foge, disse a cabeça silenciosamente, volta para os outros. Foi piada, sério - porque se importaria? Estavas errado, só isso (...) Volta criança, disse a cabeça silenciosamente". (pag. 135)

Os maiores partem para o topo da montanha para investigar a "besta", encontram e matam um porco no meio do caminho e penduram a cabeça do porto como num cajado - e é a partir daqui que as cenas se tornam gráficas e aterrorizantes! - Simon passa a conversar com o crânio, que se chama de O Senhor das Moscas, e é como se o crânio começasse influenciar negativamente o comportamento daqueles que já tinham algo de mal em si - O termo senhor das moscas é uma tradução do hebraico para Belzebu, ou Diabo, e isso explica muito da história.

Jack torna-se cruel e tirano, usa a violência, a pressão psicológica e o medo para submeter todos ao seu poder. Ralph e Piggy tentam alertar os outros mas é como se o mal tivesse tomado cada espaço daquela ilha.

Li muitos comentários sobre esse livro, alguns dizem ser uma versão mais crua do The Animal Farm - A Revolução dos Bichos, mas a verdade é que a mensagem do texto é forte, forte até demais pra mim. Golding mostra ao leitor, numa visão apocalíptica, que nenhum paraíso escapa da força opressiva causada pela vontade do poder, nem mesmo aquelas crianças ali naquele cenário paradisíaco... uma ilha, com comida de fácil acesso, onde a simplicidade da natureza se apresenta diariamente... nem mesmo ali pode-se evitar a influência do mal, como se ele fosse inerente ao ser humano... Assim como foi no Jardim do Eden.

* Livro da Lista Rory Gilmore.

Saturday, May 1, 2010

Poema de Sábado

To ---

I heed not that my earthly lot
Não me preocupo que meu espaço na terra
Hath little of earth in it -
Pouco da terra tenha -
That years of love have been forgot
Que anos de amor tenham sido esquecidos
In the hatred of a minute:-
No ódio de um minuto:-
I mourn not that the desolate
Importa-me nada que o abandonado
Are happier, sweet, than I,
Seja mais feiz, doce, que eu,
But that you sorrow for my fate
Mas que entristece-te por meu destino
Who am a passer by.
Que estou apenas de passagem.

(Edgar Allan Poe,
Complete Tales & Poems - pag. 798)