Friday, July 30, 2010

Aniversário de Mario Quintana

Em 30 de julho de 1906 nascia Mario de Miranda Quintana, o poeta brasileiro das coisas simples. A ironia de suas obras não atrapalhou a profundidade de seus textos e sua escrita em técnica perfeita. Quando leio textos de Quintana sinto o aconchego e o jeito simples do vovô mas com as alfinetadas da vovó. Delicio-me de qualquer jeito.

Outro dia li no blog Porto das Crônicas um post sobre Mario Quintana e acredito que não poderia homenageá-lo sem mencionar o post... aqui

Então... eis aqui um pouco de Quintana!

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!

(Do livro Quintana de Bolso)

Saturday, July 24, 2010

Poema de Sábado em desabafo

Hoje sentei em frente ao computador pensando no que escolher para o Poema de Sábado.
Meus dias têm sido de mudanças constante, há três anos vivo em fase de adaptação.
Casei, mudei de casa, de país, de amigos.
Mudei de casa de novo. E de novo. Julho chegou como um vendaval. Mudei de emprego e estou em fase de transição mental. O marido decidiu aceitar uma proposta de trabalho em San Diego exatamente enquanto nos preparamos para mudar pra casa nova, a quarta mudança.
Decidir o que fazer com a casa antiga. Ele lá, eu aqui.
 Adaptação, transição... monotonia não faz parte dessa rotina de vai-e-vens.
Longe do marido, refugio-me nos livros, companheiros nas noites solitárias onde há espaços demais e pessoas de menos.
Não é uma reclamação, entenda bem, é um desabafo.
Porque pra falar a verdade, eu sou totalmente adaptável, sou camaleoa, meio elástica.
E nesse pensar no que escolher lembrei de repente de Pessoa, ele que tão bem consegue pôr em palavras o que meus pensamentos não conseguem organizar... Ler Pessoa é como se conversasse comigo, nesses momentos transitórios, de elasticidade, em que exijo mais de mim do que eu mesma quero me dar.
Mas é assim mesmo, contanto que eu consiga me encontrar nas linhas de Pessoa, sei que minhas palavras terão tradução... mesmo que seja na voz dele! 


Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

(Fernando Pessoa,
sob o heteronômio de Alberto Caeiro)

Friday, July 23, 2010

"Nesse lugar, livros esquecidos por todos, livros que se perderam no tempo, vivem para sempre, esperando pelo dia em que estarão nas mãos de um novo leitor. Na loja compramos e vendemos eles, mas a verdade é que livros não têm dono. Cada livro que vês aqui já foi o melhor amigo de alguém."
(trecho do livro The Shadow of the Wind
- A sombra do vento,
 de Carlos Ruiz Zafón.
 Pag. 6)

Wednesday, July 21, 2010

A tree grows in Brooklyn (Betty Smith)

Finalmente tivemos a reunião do Bookclub para discutir A tree grows in Brooklyn, o que eu já tinha comentado aqui porque não aguentei esperar pela reunião... precisava compartilhar.

O gosto pela história foi unânime, o que era de se esperar. Tínhamos muito pra comentar e compartilhar sobre o livro, a história marcou cada uma de nós de uma forma ou outra. Betty Smith abordou temas nesse livro que superam as barreiras do tempo, o livro foi publicado em 1943 mas é possível que leitores daqui a 200 anos ainda se identifiquem com a obra.

Não tive como não fazer uma comparação entre as duas escritoras abertamente consideradas feministas pelos críticos: Betty Smith e Kate Chopin. Na minha opinião, Betty Smith é a verdadeira feminista, todas as personagens femininas de A tree grows in Brooklyn demonstram uma força encorajadora diante das situações adversas enquanto seus maridos lamentam, choram, e se entregam aos vícios...

"Pode até ser minha culpa. Eu nunca soube como ensinar minhas filhas porque não tenho nada de valor em meu passado (...) Não mandei minha primeira filha para a escola. Eu era ignorante e não sabia que crianças de gente como nós eram permitidas educação pública nesse país. Por causa disso, Sissy não teve chance de ter um futuro melhor que o meu. Mas as outras três... você foi para a escola. (...) E já, já está começando - o progresso. (...) Essa criança nasceu de pais que podem ler e escrever', disse ela com simplicidade. 'Para mim , isso já me deixa maravilhada". (pag. 82)

Começando com a matriarca da família Rommely, Mary era analfabeta, sofreu nas mãos de uma marido repressor que a humilhava nas mais diversas situações. Apesar de calada, seus ouvidos eram atentos às situações externas. Foi Mary que iniciou a quebra do ciclo de analfabetismo e submissão nas mulheres da família Rommely, quando aconselhou sua filha Katie a ler para seus filhos e fazer economias, educação era o caminho.

Katie pode ter parecido fria, muitas vezes dura demais com os filhos, mas seu comportamento moldou o caráter de Francie e Neeley. Através da luta de Katie, seus filhos aprenderam a vencer suas próprias batalhas, a não aceitar as adversidades que a vida os trazia... a pobreza, a fome, o frio, o alcoolismo do pai.

Os personagens femininos de Kate Chopin (comentário sobre The awakening aqui) podem ter parecido avançados para a época, mas eles eram fracos... buscar o divórcio do marido rico pelo simples capricho de querer ser livre não é feminismo, especialmente quando acaba em suicídio mesmo depois de ter conseguido seus objetivos.
Betty Smith realmente dá poder e domínio a seus personagens femininos, eles têm garra, força de vontade, vão a luta, são guerreiras e determinadas com todas as letras, mas não deixam de ter a fragilidade do sexo, não as masculiniza para provar o ponto, é um balanço perfeito que deixa o leitor com aquele gostinho de quero mais.

A tree grows in Brooklyn está na lista dos melhores livros do século pela Biblioteca Pública de Nova York.


PS: Primeiro livro lido para o Desafio Literário - O.A.T.E.S. (yeaaah!)

* Livro da Lista Rory Gilmore.

Monday, July 19, 2010

Girl with a Pearl Earring (Tracy Chevalier)

"Ele colocou o copo de cerveja na mesa, seus olhos arregalados, e me seguiu para fora do bar, onde eu o segurei pelas mãos e o guiei para  a ruela mais próxima. Lá eu levantei minha saia e deixei que fizesse o que quisesse. Com as mãos seguras ao redor de seu pescoço, segurei-me enquanto ele achava seu caminho dentro de mim até que lentamente começou a movimentar seu corpo contra o meu." (pag. 196) 

Escolhi esse livro porque amo os quadros de Vermeer. Fiquei curiosa porque é o segundo livro que leio baseado em quadros do pintor - o primeiro foi Girl in Hyacinth Blue de Susan Vreeland (comentário aqui) ... ambas escritoras são formadas em Escrita Criativa e decidiram desenvolver uma história baseada em personagens de quadros de Vermeer... o que não deixa de ser, na minha opinião, extremamente criativo.

Girl with a Pearl EarringMoça com brinco de Pérola, em português, conta a história de Griet (nome fictício dado a essa doce moça da pintura). O que eu acho interessante é olhar para uma pintura e tentar imaginar a história por trás do rosto... A face tranquila, de olhos brilhantes e profundos, ela vestida em tecidos finos, usando um caro brinco de pérola... de onde ela vem? O que ela faz? Porque foi pintada? Qual é sua história?

Na história de Tracy Chevalier, Griet é a segunda de três filhos de uma família pobre de Delf. O pai de Griet ficou cego após um acidente na fábrica de azuleijos em que trabalhava, e sem poder sustentar a família, aceita a proposta do pintor Vermeer de ter Griet como empregada, e para lá Griet vai, e assim a história é desenvolvida...

Desenvolvida entre o ciúme de Catharina - a esposa, as pinturas do Mestre em seu estúdio, a supervisão de Maria Thins - a sogra, o mau-humor da outra empregada - Tanneke, e a confusão de uma casa com seis crianças e sempre a espera de mais um - Vermeer teve 11 filhos no total, Griet chega a casa quando o sexto está prestes a nascer - e mais tantos outros obstáculos enfrentados pela personagem principal, sem esquecer sua inegável ligação com o pintor, o que proporciona ao leitor aquele friozinho na barriga de curiosidade no decorrer da história...

"Ele não removeu a mão. Seus dedos rossaram pelo meu pescoço e pelo meu queixo. Ele contornou o lado da minha face até a maçã do meu rosto, e então enxugou com o polegar as lágrimas que jorravam dos meus olhos. Acariciou com o polegar meu lábio inferior. Passei a lígua sobre o lábio e senti o gosto salgado (...) Fiquei sentada na cadeira e olhei para ele por cima dos ombros. Minha orelha queimava, o peso da pérola puxando o lobo da minha orelha. Não conseguia pensar em nada além dos seus dedos pelo meu pescoço, seu polegar nos meus lábios." (pag. 208)

Eu gostei da obra, não posso dizer que não, mas achei a obra de Susan Vreeland mais criativa, mais bem escrita... talvez pelo modo que ela escolheu para contar a sua versão de Moça em Azul Jacinto, o que me deixou totalmente encantada.

Girl with a Pearl Earring conta mais detalhes sobre a vida privada da família Vermeer de certo, detalhes sobre as peculiaridades do pintor, suas estratégias de pintura (Tracy Chevalier fez uma ótima pesquisa com especialistas em Vermeer e isso ficou claro na obra), gostei que outras pinturas foram envolvidas na história com Griet acompanhando e descrevendo os estágios até a conclusão do quadro, mas faltou uma pitadinha de sal, sabe? Talvez por ter gostado tanto do estilo de Susan Vreeland, criei uma certa expectativa em relação a essa obra da Tracy Chevalier que acabei achando que alguma coisa faltou pra causar mais impacto.

O filme sobre o livro foi lançado em 2003, com Scarlett Johansson no papel de Griet (e nossa! como ela lembra a moça da pintura!), e Colin Firth no papel de Johannes Vermeer... ainda não assisti o filme, mas pelo trailer percebi que o cenário retrata fielmente partes da obra e os personagens foram excelentemente escolhidos, especialmente Tom Wilkinson no papel de Pieter Van Ruijven. Estou curiosíssima para assistir!

Se alguém já viu e quer compartilhar, favor sinta-se muitíssimo a vontade!

Saturday, July 17, 2010

Poema de Sábado

If I were King
Se eu fosse Rei

If I were king--ah love, if I were king!
Se eu fosse Rei -- ah amor, se eu fosse rei!
What tributary nations would I bring
Que contribuição traria eu para as nações
To stoop before your sceptre and to swear
Ajoelhar-se perante tua autoridade e jurar
Allegiance to your lips and eyes and hair.
Fidelidade aos teus lábios e olhos e cabelos.
Beneath your feet what treasures I would fling:--
Sob teus pés tamanhos tesouros eu lançaria
The stars should be your pearls upon a string,
As estrelas pérolas seriam em teu colar,
The world a ruby for your finger ring,
O mundo um rubi para teu anelar,
And you should have the sun and moon to wear
E o sol e a lua vestirias
If I were king.
Seu eu fosse rei.

Let these wild dreams and wilder words take wing,
Deixe que esse sonhos loucos e palavras selvagens se espalhem,
Deep in the woods I hear a shepherd sing
Da densa floresta ouço um pastor a cantar
A simple ballad to a sylvan air,
Uma canção simples para um ar silvestre,
Of love that ever finds your face more fair.
De um amor que jamais viu tua face mais bela.
I could not give you any godlier thing
Coisa mais divina não te daria
If I were king.
Se eu fosse rei.

(Poema introdutório do livro "If I were King",
 de Justin Huntly McCarthy -
 mencionado por Betty Smitth em
 A tree grows in Brookly)

Wednesday, July 14, 2010

Life of Pi (Yann Martel)

"Precisava parar de ter esperança de que um navio me resgataria. Não deveria contar com ajuda alheia. Sobrevivência tinha que começar comigo. Na minha experiência, o maior erro de um náufrago é ter esperança demais e agir de menos." (pag. 225)

Life of Pi, A vida de Pi, de Yann Martel conta a emocionante história de Piscine Molitor Patel, um menino indiano de 16 anos, que tem o navio em viajava com a família rumo ao Canadá naufragado em meio ao Oceano Pacífico. Pi é o único sobrevivente racional, jogado num bote salva-vidas por membros da tripulação na correria do naufragio.

Digo racional porque a família Patel era proprietária de um zoológico na região de Pondicherry. Quando a crise da década de 70 começou na Índia, o pai decide vender o zoo e mudar com a família para o Canadá, alguns dos animais haviam sido comprados por zoológicos na América e no Canadá... o navio em que viajavam era cargueiro, como carga vinham a família Patel e os animais do zoológico.

Também foram jogados no bote salva-vidas uma zebra, uma hiena e um orangotango... mais tarde, quando o choque e o desespero começam a acalmar e a fome começa a atacar, Pi descobre que há também um Tigre de Bengala a bordo... Richard Parker, o tigre que Pi salvou do afogamento logo no início da viagem.

"Eu era agora um assassino. Eu era agora tão culpado quanto Caim. Eu tinha 16 anos, um menino que nunca machucou ninguém, viciado em livros e religião, e agora eu tinha sangue em minhas mãos. É um peso horrível de carregar. Toda vida consciente é sagrada. Nunca esqueci de incluir aquele peixe em minhas orações." (pag. 245)
A hiena come a zebra e o orangotango, Richard Parker come o resto dos dois mais a hiena... o dilema de Pi não é apenas o de sobreviver à deriva, sob sol, tempestade, escassez de comida e água, mas fazer tudo isso enquanto há um tigre de 200 kg com ele num pequeno bote.

Richard Park e Pi sobreviveram por 227 dias no mar.

O início do livro não prendeu muito minha atenção, até pensei que ia me arrepender da leitura quando o tópico religião começou a aparecer 'mais que frequentemente' na história - eu tenho uma certa aversão ao tópico em obras literárias, apesar de que as religiões mencionadas foram ricamente detalhadas e o ponto de vista de Pi, bem como seu entender sobre Deus e as religiões me agradou bastante - há também um diálogo paralelo no intervalo de capítulos que eu não entendi muito bem no início mas que se auto-explica um pouco antes do capítulo sobre o naufragio.

Os capítulos pós-naufrágio são super intensos, aliás toda a jornada dali em diante faz com que não se queira parar de ler. Antes do início do livro há as notas do autor e tudo dá a entender que a história é não-ficção, histórias sobre outros naufrágios famosos são mencionadas com suas respectivas datas e o tempo que levou até o resgate dos náufragos, o que me fez pensar que a história fosse realmente verdadeira... e devo confessar que após terminar o livro e pesquisar sobre a obra e o personagem na internet, e descobrir que tudo nada mais é que ficção, fiquei um pouco decepcionada.

Deve ser por causa disso que li tantas críticas negativas na pesquisa que fiz, porque o leitor realmente se envolve com a história e acredita que tenha sido verdade. Sofre-se com o Pi, angustia-se com os eventos de cada capítulo, sente-se medo, alívio, dor... Yann Martel  tentou fazer um jogo para confundir a cabeça do leitor mas que para muitos resultou em frustração e decepção.

Life of Pi foi lançado em 2002 e ganhou o prêmio Booker no mesmo ano. A polêmica de plágio surgiu quando o escritor brasileiro Moacyr Scliar declarou que a idéia da história foi copiada de seu livro Max e os Felinos, de 1981, em que um alemão cruza o Atlântico com um jaguar, mais tarde Scliar decidiu não processar Martel. Yann Martel nasceu na Espanha e mora em Montreal. Life of Pi foi seu terceiro livro. Uma versão para o cinema está prevista para 2011.

* Livro da Lista Rory Gilmore.

Saturday, July 10, 2010

The Tale of Murasaki (Liza Dalby)

Primeiras linhas:

"Estava grávida de você quando minha mãe morreu, mas minhas condições eram de longe mais normais. Frequentemente era tomada por ondas de enjôo. A única coisa que aliviava os enjôos eram citrus frescos. Ao raspar a pele dos yuzus amarelos um pequeno vapor de essência cítrica era liberado para inalar e acalmar as minhas ânsias".
A história começa com o final, Katako deixando um relato ao seu filho sobre a vida de sua mãe, Murasaki,  escritora conhecida em todo o Japão por ter escrito Tale of Genji - O conto de Genji. Muito se sabe sobre Genji, o charmoso príncipe japonês que roubou o coração de muitas mulheres... mas sobre sua autora o mundo conhecerá através das páginas de seus diários, encontrados por sua filha após sua morte... é o diário de Murasaki que preenche as páginas de The Tale of Murasaki, O conto de Murasaki.

O livro me fez lembrar Memórias de uma gueisha (resenha aqui), apesar de ter um cenário totalmente diferente. Murasaki vem de uma família tradicional japonesa, seu pai é poeta, profundo conhecedor da Literatura Chinesa - o que na época trazia um certo status à família, sendo convidado para festas do Palácio do Imperador. Segundo a tradição, mulheres eram permitidas apenas um certo grau de educação, voltada para instrumentos musicais e domésticos, mulheres intelectuais eram vistas com preconceito e excluídas do círculo social... com certeza não conseguiria marido, que homem iria querer casar com alguém inteligente?

"Não apreciamos as coisas até que ela comecem a mudar e morrer" (pag. 69)

Murasaki aprende as artes e literatura chinesas com o pai, enquanto ele tenta frustradamente ensiná-las ao único filho Nobunori, que pouco talento tem. Os profundos poemas chineses servem de inspiração para as primeiras histórias do Conto de Genji... sua vida como escritora acontece muito por acaso, mais como distração por seu mundo limitado e chato do que pelo desejo de se transformar num símbolo em seu país, mas é Genji que rende a Murasaki uma vida na corte, frequentando os aposentos da Imperatriz e testemunhando eventos que a maioria dos mortais só tiveram o privilégio de ouvir.

Casou muito tarde por pura teimosia, mal sabia ela que o marido seria seu grande motivo de felicidade, além de grande amigo. A morte súbita do marido faz com que tome a decisão de deixar sua filha e viver no palácio onde a fama de Genji já tinha enormes proporções.

Através de Murasaki é possível conhecer um outro lado da tradição do Japão. As correspondências são trocadas através de versos. A natureza, as estações do ano, os mais íntimos sentimentos são relatados tão detalhadamente e servem de inspiração para ações de muitos personagens. A sociedade era bigâmica - ou poligâmica, o número de esposas depende de quantas se pode sustentar... Nobutaka, marido de Murasaki, tinha quatro esposas, contando com ela.
"A beleza verdadeira é passageira. Chega um período na vida em que ela não é suficiente para sustentar uma pessoa pelas tristezas da vida." (pag. 222)
A vida na corte era privilégio de poucas, para servir o Imperador e Imperatriz, era preciso vir de famílias tradicionais e influentes, beleza era fundamental... apenas as mais belas pertenceriam a esse círculo - aqui vem a importância dos trajes, da pele, dos cabelos longos e negros. Muitas mulheres que decidiam por não casar e as que não mais queriam viver em sociedade, entravam em reclusão, viravam "freiras" e viviam num convento nas montanhas.

A história é interessante, ensina bastante sobre a cultura e sociedade japonesa, mas muitas vezes se torna cansativa e muito cheia de lamentos. Murasaki tinha uma certa tendência depressiva que eu honestamente, não consegui captar o motivo, fora que a comunicação através de versos com uso excessivo de metáforas me deixaram muitas vezes confusa.

Murasaki criou Genji para fugir da sua realidade monótona, Genji como homem, podia fazer tudo o que ela jamais faria sendo mulher, suas mais íntimas fantasias eram refletidas nas ações de Genji até que chegou a um ponto que Genji deixou de ser distração e virou uma obrigação... acho que aqui que ele perdeu a graça pra Murasaki e ela não sabia mais o que fazer com ele. A história meio que ser perde, exatamente quando na vida real, sua vida meio que perde propósito também. A versão que comprei tinha muitos erros de digitação e alguns erros gramaticais e de tradução, o que me incomodou um pouco.

Poema de Sábado

As sem razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

(Carlos Drummond de Andrade)

Saturday, July 3, 2010

Poema de Sábado

A boat, beneath a sunny sky
Um barco, sob um céu ensolarado
Lingering onward dreamily
Permanece assim como num sonho
In a evening of July-
Num anoitecer de Julho-

Children three that nestle near,
Três crianças que pertinho ficam
Eager eye and willing ear,
Olhos espertos e ouvidos abertos,
Pleased a simple tale to hear-
Deliciados por uma história simples ouvir-

Long has paled that sunny sky:
Aquele céu ensolarado se foi:
Echoes fade and memories die:
Ecos somem e memórias morrem:
Autumn frosts have slain July.
O frio do outono vem matando Julho.

Still she haunts me, phantomwise,
Ainda assim assombra-me ela, como um fantasma,
Alice moving under skies
Alice move-se sob céus
Never seen by waking eyes.
Nunca vistos por olhos acordados.

Children yet, the tale to hear,
Crianças ainda, para a história ouvir,
Eager eye and willing ear,
Olhos espertos e ouvidos abertos,
Lovingly shall nestle near.
Adoravelmente sentam-se pertinho.

In a Wonderland they lie,
No país das maravilhas eles mentem,
Dreaming as the days go by,
Sonhando enquando os dias passam,
Dreaming as the summers die:
Sonhando enquando verões morrem:

Ever drifting down the stream-
Para sempre as águas escorrem-
Lingering in the golden gleam-
Os raios dourados ficam-
Life, what is it but dream?
Vida, o que é ela senão um sonho?

(Poema final do livro Through the Looking Glass,
 de Lewis Carroll, pag. 239)

Friday, July 2, 2010

"Se todos os professores fossem como Senhorita Bernstone e Sr. Morton, Francie saberia com clareza o que é o paraíso. Mas é assim mesmo. É preciso que haja águas sujas e escuras como pano de fundo para melhor ver os gloriosos raios do sol."
Betty Smith, A tree grows in Brooklyn, pag. 165.