Wednesday, March 31, 2010

Amar, verbo intransitivo (Mário de Andrade)

Foi interessante ler Mário de Andrade depois de tanto tempo!
"Carlos também cantava o Tannenbaum mas desafinava. Não tinha voz nenhuma. Porém descobrira o perfume das rosas. Perfume sutil e fugitivo, ô! a boniteza das vistas!... Às vezes se surpreendia parado diante das sombras misteriosas. As tardes, o lento cair das tardes... Tristes. Surgia nele esse gosto de andar escoteiro, cismando. Cismando em quê? Cismando, sem mais nada. Devia ter felicidades quentes além... Estava pertinho do suspiro, sem alegria nem tristeza, suspiro, no silêncio do amigo luar." (pag. 42)


Quandi li Macunaíma eu deveria ter não mais que quinze anos e lembro ter achado o estilo do Mário muito carnavalesco pro meu gosto, aquelas características pesadas do Modernismo não me agradaram tanto.

Ler Amar, verbo intransitivo fez-me perceber o quanto eu tinha a aprender naquela época, eu meio que comparo o Mário ao Sherlock Holmes (favor não me condenem!), ele é tão inteligente que a sabedoria não cabe em si, ele tem tomadas rápidas, diretas, suas narrativas são alegóricas sim, mas cheias de emoção, ele é um narrador completo, em Amar, verbo intransitivo então, o narrador é bom de prosa, conversa com o leitor e ainda dá pitaco!

A história se passa no seio do lar dos Sousa Costas, uma família aristocrática da grande São Paulo, que como tal, segue piamente as regras de etiqueta da época. O pai é uma figura respeitada e exemplar para os filhos mas passa suas noites em bórdeis da cidade baixa enquanto a mãe, além de se importar com os eventos sociais, dedica-se à criaçãos dos quatro filhos (Aldinha, Laurita, Maria Luisa e o mais velho, Carlos).


"(...) Sousa Costa, se aproximava da mulher, ele tomava sempre o cuidado de não mostrar jeitos e sabenças adquiridos lá embaixo no vale. (...) nunca jamais ele trouxera do vale um fio louro no paletó nem aromas que já não fossem pessoais". (pag. 26)

Como um homem experiente, que conhece a realidade de sua raça, Sousa Costa sabia que não poderia deixar de instruir o filho no quesito sexual, para isso contrara Elza Fräulein como professora de alemão. Carlos desconhece o propósito do pai e como todo garoto em puberdade, não demora muito para notar as curvas da professora, e o encanto que ela provoca em si.
Fräulein é governanta e educadora sentimental e sexual de Carlos, e guarda dentro de si a idealização do amor romântico, eu diria até ultra-romântico, influência dos poetas alemães, Goethe, Schiller, etc. Através de Fräulein, Mário trava vários diálogos de exaltação ao povo alemão, que é mencionado como erudito e trabalhador. Poemas e canções são transcritos em alemão, assim como alguns diálogos entre Fräulein e Carlos.
"Você sabe: hoje esses mocinhos... é tão perigoso! Podem cair nas mãos de alguma exploradora! (...) Não é só bebida não! Hoje não tem mulher-da-vida que não seja etorônoma, usam morfina... E os moços imitam! Depois as doenças!..." (pag. 55)


A história não é separada por capítulos, a divisão dos episódios se dá através do espaçamento duplo entre os parágrafos - uma das características do movimento Expressionista europeu (que influenciou o movimento Modernista no Brasil). Outra marca do Modernismo fortemente presente em Amar, verbo intransitivo é a interrupção da narrativa para dar espaço a digressão do narrador - digressão que interrompe inclusive, a cena do primeiro beijo entre Carlos e Fräulein. Hilário!

Sem deixar de mencionar uma das características principais das obras de Mário de Andrade, a adoção do português falado nas ruas daquela época, o vocabulário popular - "se conseguir que se escreva brasileiro sem por isso ser caipira, mas sistematizando erros diários de conversação, idiotismos brasileiros e sobretudo a psicologia brasileira, já cumpri o meu destino" (Mário de Andrade em carta a Manuel Bandeira).

Mas enfim, porque Amar, verbo intransitivo?
Porque assim o é. Eu amo. Ponto. Amar é um verbo que não precisa de complemento, apesar que é bem melhor quando o tem. O resto vocês precisam testemunhar nas páginas do livro!

"É coisa que se ensine o amor? Creio que não. Pode ser que sim!!" (pag. 36)

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