O que me preocupa é se a tradução para o inglês consegue manter a essência das obras. A hora da Estrela (resenha aqui) é um dos meus livros favoritos, que me fez parecer uma louca gargalhando enquanto lia em lugares públicos - será que a tradução consegue passar a mesma comicidade e ironia de Clarice quando lido na língua inglesa?
Mas hoje estou aqui pra falar de Clarice na Cabeceira, que reune alguns contos dos livros Laços de Família, A Legião Estrangeira, Felicidade Clandestina, A Via Crucis do Corpo, Onde estivestes de Noite, e A Bela e a Fera... eu não sou muito fã de contos porque no momento em que eu começo a gostar dos personagens a história acaba, coisa chata né?! Mas os contos de Clarice, em sua maioria, são curtos e grossos, como se costuma dizer, e acaba mesmo algumas vezes com aquela sensação de "hummm, será que eu entendi?" ou "ha ha isso me parece familiar", só lendo para experienciar.
Lembro que quando li Laços de Família, anos-luz atrás, eu apaixonei por Clarice mas ela me pareceu uma escritora sem muito sentido, alguns contos me deixaram com uma interrogação na cabeça - escrever sobre uma galinha? E aquela outra que tira sarro do cego? E a outra que nunca explica o problema que tem e ainda perde tempo decidindo se dá ou não dá as rosas? Na verdade para alguns é preciso um pouco mais que vontade de ler, é preciso re-ler, re-re-ler para entender essa mulher enigmática. Hoje re-lendo alguns dos contos de Laços de Família me pego compartilhando as divagações daqueles personagens, será que isso é mal de gente grande? Pensar demais e agir de menos? Minha imaginação usa o melhor de mim?
E o que continua me encantando em Clarice é a forma simples, coloquial em que ela escreve suas histórias, como se ao ler estivéssemos conversando com nossas idéias, de tão simples que tudo parece, mas ao mesmo tempo se perguntando, de onde foi que ela tirou uma coisa dessas? É meus caros, é esse o efeito Clarice...
Conto favorito? É para lá que eu vou (pag. 161)
"Quero usar a palavra 'tertúlia' e não sei onde e quando. À beira da tertúlia está a família. À beira da família estou eu. À beira de eu estou mim. É para mim que eu vou."
O mais engraçado? O relatório da coisa (pag. 121)
"Eu creio no Sveglia. Ele não crê em mim. Acha que minto muito. E minto mesmo. Na Terra se mente muito."
O mais sem noção? O Ovo e a Galinha (pag. 89)
"O ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por isso a galinha é o disfarce do ovo. Para que o ovo atravesse os tempos e a galinha existe. Mãe é para isso."
Ri pra não chorar? A Língua do "P". (pag. 109)
"E ela a se requebrar que nem sambista de morro. Tirou da bolsa o batom e pintou-se exageradamente. E começou a cantarolar."