Tuesday, October 18, 2011

The Angel's Game (Carlos Ruiz Zafón)


O que faz da leitura um ato excitante? Quais fatores externos podem contribuir para uma boa leitura? Para mim, devo confessar, não há prazer maior do que ler um livro e visitar o lugares mencionados na história. Ainda melhor, ler um livro no ambiente em que a história foi escrita. Foi essa a minha descoberta ao ler The Angel's Game em Barcelona.

Quando li The Shadow of the Wind - A sombra do Vento, Zafón deixou Barcelona marcada em minha memória. Por esse mesmo motivo, escolhi Barcelona para o último destino da nossa viagem de férias. E levei na bagagem The Angel's Game - O Jogo do Anjo, em português. 

Foi uma experiência única ler o livro pela manhã, e sair para perambular porLas Ramblas, visitar igreja Santa Maria del Mar, Parque Guell, igreja Del Pi, o bairro Gótico, e saber que os personagens do livro que estava lendo interagiram, caminharam pelos mesmos lugares. Barcelona teve um significado diferente para mim por causa das histórias de Carlos Ruiz Zafón. O modo que ele descreve Barcelona faz com que o leitor sinta como se tivesse nascido e crescido naquela vizinhança. 

''Ele costumava dizer que assim que eu fizesse dez ele me mandaria para o trabalho, e que era melhor eu me livrar dessas idéias absurdas se eu não quisesse acabar um perdedor, um ninguém. Eu costumava esconder meus livros embaixo do colchão e esperar ele ir dormir para lê-los.'' (pag. 35)

Bairro Gótico
 O pai de David Martin era vigia do jornal A voz da Indústria, propriedade da renomada família Vidal. Após o assassinato do pai a caminho do trabalho, David passa a ser criado no jornal, sob a proteção do Don Pedro Vidal. David tem um sonho e talento, ser escritor. E é a pedido de Don Pedro, que Don Basílio oferece a David uma chance de escrever short-stories para uma coluna do jornal. 

Em pouco tempo Os Mistérios de Barcelona se tornam um sucesso. É quando Andreas Corelli contacta David pela primeira vez. David até investiga sobre esse tal publicista estrangeiro, questiona o Senhor Sempere, que por sua vez consulta Gustavo Barceló, pouco se sabe sobre ele... a proposta é deixada de lado, e ao invés de trabalhar para Corelli, David decide deixar o jornal e trabalhar para Barrido & Escobillas.

''A série, que eu decidi chamar de Cidade dos Condenados, deveria ser publicada mensalmente em folhetos de capa-dura colorida e ilustradas. Em troca eu seria pago muito mais do que eu jamais imaginei receber fazendo o que gosto, e a única censura imposta seria ditada pela lealdade dos meus leitores. Os termos da oferta obrigavam-me a escrever anonimamente sob um pseudônimo extravagante, mas para mim era um preço pequeno a pagar por poder sobreviver da profissão que sempre sonhei em praticar.'' (pag. 51)

David vive para escrever, aluga o casarão abandonado que sempre sonhou em morar (e os mistérios do casarão vão sendo revelados pouco a pouco). Seus dias e noites são totalmente dedicados às suas histórias, criador e criatura se misturam numa simbiose assustadora. As dores de cabeça aumentam, e nem mesmo o médico sabe lhe informar quando tempo de vida lhe resta, dias? Meses? Quando Cristina o procura pedindo ajuda com livro de Don Pedro, David se desdobra para escrever aquele que será seu grande livro, e também para escrever o livro do seu amigo e mentor Don Pedro Vidal, antes de sua morte.

Em busca do Cemitério
dos Livros Esquecidos
Ambos os livros são lançados no mesmo período. O de Pedro Vidal é aclamado como o melhor já escrito, o de David é considerado mero rascunho de um pseudo-escritor. É quando Andreas Corelli contacta David pela segunda vez, oferecendo uma quantia em dinheiro que David jamais conseguiria gastar em vida, em troca de seus talentos para escrever Lux Aeterna. O acordo é selado verbalmente, periodicamente Corelli e David se encontrariam para discutir o progresso do livro. Com ele vem o dinheiro, e a saúde restaurada do nosso protagonista.

Mais uma vez David se entrega a sua história, cada momento do seu dia é gasto pesquisando, coletando material e escrevendo rascunhos para Lux Aeterna. Quando ouve sobre o casamento da sua amada Cristina e Don Pedro, sabe que já não faz mais parte daquele círculo, mesmo tendo prometido ao pai de Cristina que sempre a protegeria. Quando Senhor Sempere o apresenta a Isabella, admiradora de seus livros, aspirante a escritora, mal sabia David que Isabella se tornaria sua protetora e praticamente salvaria sua vida.

''O homem de preto é o senhor deste lugar, o pai de todo segredo e conhecimento proibidos, da sabedoria e memória, portador da luz para contadores de histórias e escritores desde o tempo imemorial. Ele é o nosso anjo guardião, o anjo das mentiras e da noite.'' (pag. 129)

Cristina não é feliz, e todos sabem. Vive isolada, até tentou suicidio. Ela foge e busca refúgio em David. Ao descobrir sobre o livro que ele está escrevendo, sente que o livro é amaldiçoado, implora para que ele pare. Isabella tem o mesmo sentimento em relação ao livro e também a Corelli. No dia em que David e Cristina fugiriam do país, ela desaparece.

''Quando retornamos ao amanhecer, após procurar por ele durante toda a noite, encontramos seu corpo no fundo da piscina. Ele havia se afogado na tarde anterior e não escutamos seus gritos por socorro porque estávamos ocupados discutindo um com o outro. Ele tinha sete anos de idade.'' (pag. 287)

David sabia que havia algo de obscuro por trás de Andreas Corelli, enquanto pesquisava sobre as religiões para Lux Aeterna, fazia também uma pesquisa paralela sobre Cordelli, Diego Marlasca, e o casarão em que atualmente morava. O que pareciam fatos aleatórios começam a se alinhar em uma teia perigosa. David tem a convicção de que os fatos precisam realmente ser esclarecidos após saber que Senhor Sempere morreu tentando protegê-lo. David precisa achar o culpado da morte do amigo.

''Foi então que a vi. Ela estava mancando sobre o lago congelado, uma linha de sangue atrás dela, a camisola cobrindo seu corpo vibrava com a brisa. Quando por fim cheguei a margem, Cristina havia caminhado por volta de trinta metros em direção ao centro do lago. Gritei seu nome e ela parou. Lentamente ela virou e vi seu sorriso enquanto uma teia de fissuras começou a tecer-se embaixo de seus pés. Eu pulei no gelo, sentindo a superfície congelada me envolver, e corri em sua direção. Cristina ficou parada, olhando para mim. As fissuras embaixo de seus pés estavam se expandindo em uma mistura de veias negras. O gelo estava cedendo e eu cai com meu rosto no chão.'' (pag. 441)

Parque Guell
Há muito de A sombra do Vento em O Jogo do Anjo - começando com a livraria do Senhor Sempere; o famoso Gustavo Barceló; e O Cemitério dos livros Esquecidos com seu guardião Isaac. A história é eletrizante, Zafón como sempre, escreveu uma história bem desenvolvida, sem hiatos. Em A Sombra do Vento Zafón apenas insinuou uma história macabra, que no final das contas não se revelou assim tão assustadora. 

Já em O Jogo do Anjo, não se iludam, Zafón trouxe o macabro do início ao fim. O Jogo do Anjo faz jus ao nome, o anjo negro convence David Martin a escrever Lux Aeterna, como se fosse uma nova Bíblia, onde as pessoas leriam e seguiriam como uma nova religião. Cabe a David Martin terminar de escrevê-lo ou não, e ainda descobrir os segredos obscuros escondidos por trás de Corelli, Marlascas, e seus seguidores.



''David olha pra mim.''

Sentei na beira da cama e olhei para ela.

''Você tem que destruí-lo,'' ela disse.

''Não estou entendendo.''

''Você tem que destruí-lo.''

''O que devo destruir?''

''O livro.''

(pag. 436)

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