Primeiras linhas:
"Eram 7 minutos depois de meia-noite. O cachorro estava deitado na grama no meio do gramado em frente a casa da Sra. Shear. Seus olhos estavam fechados. Parecia que corria de lado, como aqueles cães quando pensam que perseguem um gato enquanto sonham. Mas o cachorro não estava nem correndo nem dormindo. O cachorro estava morto."
The Curious Incident of the Dog in the Night-Time - O Estranho Caso do Cachorro Morto, em português - relata a conturbada e corajosa vida de Christopher John Francis Boone, um adolescente inglês com síndrome de Asperger, e sua investigação para descobrir quem matou Wellington, o cachorro.
Decidi ler esse livro após lermos Boom! (resenha aqui) para o clube do livro de Agosto. As meninas do clube já haviam lido este e mencionaram quão diferente aquele primeiro livro era em comparação a este. O quanto Haddon havia amadurecido e progredido como escritor. E isso, realmente, ficou claríssimo após ler essa história.
Síndrome de Asperger é um transtorno relacionado com o Autismo (apesar de serem dois transtornos diferentes) onde indivíduos apresentam dificuldades em interação social, bem como padrões repetitivos de comportamento e interesses. A diferença do Autismo se dá no fato de que indivíduos que sofrem com síndrome de Asperger não têm comprometimento ou atraso no desemvolvimento cognitivo e/ou da linguagem, muito pelo contrário, portadores da síndrome apresentam alto nível de inteligência, especialmente em Ciências Exatas. Mas usam a linguagem de forma literal, tendo dificuldade em entender o que não é concreto - metáforas, por exemplo - além de não desenvolverem o lado afetivo, não gostam de ser tocados, abraçados, beijados.
"Os capítulos de um livro são normalmente listados em número cardinais 1, 2, 3, 4, 5, 6 e assim por diante. Mas eu decidi listar meus capítulos em número primos 2, 3, 5, 7, 11, 13 e etc., porque eu gosto de número primos." (Pag. 11)
Como seria ver o mundo através do olhos de uma criança que sofre de Asperger? Quais são os seus medos? Como eles pensam? Como se comportam? E é curioso ler a história através da perspectiva de Christopher e entender o porque de tais comportamentos e como agir diante portadores da síndrome (caso um dia tenha que interagir com um) para que eles não se sintam coagidos ou em perigo.
Christopher estuda em um colégio para crianças especiais. A mãe abandona o pai pouco tempo antes de incidente com o cachorro, não mais suportanto conviver com o peso de uma criança especial. O pai, enfurecido e envergonhado, informa ao filho que a mãe morrera de parada cardíaca e assim passa a cuidar do filho sozinho. E tudo iria voltar à rotina normal, se Christopher não tivesse encontrado Wellington morto em frente à casa da Sra. Shear. Sendo ele apaixonado por cães, e por sua postura de querer sempre os fatos muito bem explicados, Christopher decide investigar a morte do cachorro, e por sugestão de sua professora, decide escrever esse livro relatando os fatos e progressos da investigação... e é durante a investigação que toda verdade vem à tona e os sintomas da Síndrome de Asperger tornam-se mais gritantes no comportamento do nosso protagonista.
Haddon fez um trabalho maravilhoso em The Curious Incident of the Dog in the Night-Time, é uma história única, excêntrica, e inteligente. Christopher é tão detalhista, quer tudo tão do seu jeito - não come se uma porção da comida encostar na outra, tudo tem que estar separado; não come nada marrom ou amarelo; não fala com estranhos, detesta visitar lugares diferentes, a vida precisa seguir uma rotina, saber onde vai, que horas vai, quando volta, o que vai fazer, etc, etc - que as vezes irrita ler suas peculiaridades, mas é exatamente esse fato que Haddon quer explicitar, o quão dolorido e difícil é para um portador da Síndrome quando um detalhe está fora de lugar, quando uma mentira é contada, quando o arroz encosta na salada, quando Christopher vê 3 carros amarelos um atrás do outro em um dia.
É um livro especialmente interessante para outros adolescentes, para entender e saber respeitar as diferenças, o espaço de cada um, a aceitar que há sempre o que aprender com o outro, que ser especial não é contagioso e não é motivo de vergonha, e não deve ser motivo para piada ou exclusão.
"Decidi que vou descobrir quem matou Wellington mesmo depois de Papai dizer para não me envolver nos problemas dos outros (...) E isso é porque quando as pessoas te dizem o que fazer, pra mim é confuso e não faz sentido. Por exemplo, adultos sempre dizem "Fica queito!", mas eles não dizem por quanto tempo querem que alguém fique quieto".