Saturday, March 31, 2012

Poema de Sábado

Ária para Assovio

Inelutavelmente tu
Rosa sobre o passeio
Branca! e a melancolia
Na tarde do seio.

As cássias escorrem
Seu ouro a teus pés
Conheço o soneto
Porém tu quem és?

O madrigal se escreve:
Se é do teu costume
Deixa que eu te leve.

(Sê... mínima e breve
A música do perfume
Não guarda ciúme.)

Rio, 1936

Vinicius de Moraes,
Nova Antologia Poética, pag. 14

Friday, March 23, 2012

When She Woke (Hillary Jordan)


“Quando ela acordou, ela estava vermelha. Não de vergonha, não por queimadura do sol, mas o sólido, vermelho berrante de uma placa de trânsito. Ela viu suas mãos primeiro. Ela as observou em frente aos seus olhos. (...) Ela sabia o que a esperava— já havia visto muitos Vermelhos antes, logicamente, pela rua e na vid— mas ainda assim, ela não estava preparada para ver a sua própria pele transformada.” (pag. 01)


Gente, desde que terminei de ler esse livro em Outubro venho me preparando para essa resenha. When She Woke - Quando ela Acordou - foi escolhido pela Nari do meu BookClub, que recebeu uma cópia da editora antes da publicação para review. Todas nós gostamos da história, ou da maioria dela...  um dos poucos livros que não faltou assunto para conversa.

When She Woke relata o drama de Hannah Payne, numa América futurística controlada pela religião. Guerras devastaram países, e 'O grande Flagelo' deixou metade das mulheres estéreis. Los Angeles nada mais é do que uma grande bola radioativa. Com o sistema penitenciário falido, a crise obriga enormes cortes no orçamento. E para aliviar o sistema penitenciário e esvaziar as prisões,  o governo americano cria a 'melocromia', onde aqueles que cometem crimes têm sua pele tonalizada de acordo com o crime cometido—pequenas contravenções: Amarelo; crimes sexuais: Azul; Homicidas: Vermelho.

“Pelo menos ela ainda tinha seus olhos para lembrá-la quem era: Hannah Elizabeth Payne. Filha de John e Samantha. Irmã de Rebecca. Homicida de uma criança, sem nome. Hannah se pergunta se aquela criança herdaria os olhos melancólicos do pai e sua boca suave, sua sobrancelha arqueada e grossa e a pela alva.” (pag. 7)

Hannah se apaixona e acaba tendo um romance com o Reverendo Super-Famoso, Aidan Dale. Engravida e decide fazer um aborto numa clínica clandestina. Aborto é tratado como homicídio pelo novo Código Penal americano.

Hannah cresceu numa família cristã extremista, envolve-se com o reverendo de sua igreja - casado. Aidan,  devido a um ato-falho cometido antes do casamento, contraiu uma DST, ainda sem cura na época. A doença foi transmitida a esposa, que, pelo tempo que a cura foi encontrada, já havia perdido os ovários e nunca pôde ter filhos.


“Quero saber o nome dele. O nome do homem que te desonrou e te mandou abortar teu bebê.
Hannah balançou a cabeça involuntariamente, lembrando do dos lábios de Aidan em sua pele, beijando a curva de seu braço, a curva macia de seus pés; puxando suas pernas aparte para que sua boca tomasse posse de cada parte escondida de seu corpo. Para ela, aquilo não era desonra. Para ela parecia uma forma de adoração.”
(pag. 23)


É quando Hannah deixa a prisão que se dá conta do peso de ser Vermelha, a sociedade fecha suas portas para os 'cromos'. Não há onde morar, não há emprego. Uma nova era de segregação baseada na cor da pele. Rejeitada pela mãe, sem auxílio da irmã, Hannah conta com a ajuda limitada do pai para enfrentar sua nova realidade. Até ser encontrada pelos Novembristas, uma organização secreta que advoca o direito de escolha da mulher, nesse caso, o direito ao aborto, e condena o fato desse ato ser considerado e punido como homicídio.

Hannah se vê num dilema: aceita a proposta dos Novembristas - fugir para o Canadá onde se submeterá a um procedimento médico que a livrará da monocromia - ou, fica no Texas e cumpre sua sentença pelo crime cometido. Fugir  significa abandonar a família, Aidan, sem nunca olhar para trás, esquecer Hannah Payne e recomeçar do zero. Ficar é alimentar a esperança por Aidan, é enfrentar as acusações da mãe, a repressão do cunhado, o desapontamento do pai, e viver por quinze anos sendo lembrada diariamente daquela vida que não permitiu nascer.

Hillary Jordan não nega sua inspiração em The Scarlet Letter - A Letra Escarlate - do Nathaniel Hawthorne. Hannah Payne, assim como Hester Prynne, desafia a família, suas crenças e a sociedade, e sacrifica a si mesma, para proteger a identidade do homem que ama. Aidan Dale, bem como Arthur Dimmensdale, fica dividido entre sua posição como Ministro da Fé e o amor por Hannah. Porém a semelhança termina por aí. Na minha opinião, When She Woke trás muitos tópicos para discussão, a história é forte e controversa, leva-se um pouco de tempo para entender o estado em que a sociedade se encontra e se adaptar aos novos termos usados, mas não se consegue parar de ler. No entanto, há alguns tópicos que me incomodaram.


De certo Jordan tem como intuito realmente chocar o leitor e deixar claro que a Hannah daquele momento já não era mais a mesma Hannah do início da história, e que 'aquele' fato a afastaria definitivamente de qualquer possibilidade de existir Aidan e Hannah, mas acredito que a história poderia ter existido sem 'aquele' detalhe... quem ler vai entender mais tarde. Na minha opinião, já haviam elementos discutíveis o bastante na obra e aquela situação foi desnecessária. 


Outro detalhe é que os personagens masculinos são ou fracos, covardes, ou violentos - até os membros masculinos Novembristas submetem-se às imposições femininas. Também achei que Religião é mostrada de forma tão pejorativa que por vezes soa ofensivo. Incômodos a parte, valeu a pena a experiência de Quando ela Acordou, recomendado! ...  E quando terminei, bateu uma saudade daquelas de A Letra Escarlate e lembrei que ainda não comentei sobre essa obra aqui no blog. Hora de marcar um encontro com Hawthorne!


Sunday, March 18, 2012

My Horizontal Life (Chelsea Handler)

A primeira palavra que me vem a cabeça quando penso nesse livro é: LOUCURA!
A segunda é: HILÁRIO!
A terceira: SEXO!

Não é comum ouvir mulheres sexualmente ativas falando abertamente e contando ao mundo quão ativas elas são. Chelsea Handler com toda convicção não é uma delas. My Horizontal Life - Minha Vida na Horizontal, conta algumas das aventuras sexuais da comediante e apresentadora americana começando nos tempos do Ensino Médio, e se você pensa que ela só conta as experiências boas, com os carinhas bonitões... não se engane. Chelsea não tem pudor nem vergonha, compartilha as experiências mais embaraçosas e, muitas vezes, nojentas, de seus one-night stands “uma noite apenas”, com seus queridos leitores.

Quem me sugeriu o livro foi o marido, que decidiu comprar numa de suas viagens a trabalho quando esqueceu o Ipod — entenda bem, o marido não é fã de sentar e ler um livro, ele tem uma espécie de formiguinha interna sabe? Por isso ele prefere livros em audio, pela comodidade... então, se ele comprou o livro, e chegou a terminá-lo, só poderia ser por dois motivos: 1. Era muito, mas muito engraçado; 2. Falava muito sobre sexo. Ele disse que era o número um, mas após ler o livro, tenho certeza que a resposta era o número dois! — “Ela é uma whore e alcoólatra, mas é engraçada.” disse o marido.

“Nem por um segundo eu cheguei a pensar que ele teria um pipi pequeno. ‘Pequeno’ é uma palavra generosa quando se tenta descrever uma coisa do tamanho de uma salsicha enlatada. Essa coisa era menor do que meu dedão do pé. Não era nem parecido com um pênis, parecia mais um pedaço extra de pele. Fiquei mortificada. Eu tinha que arranjar um jeito de sair dali.” (pag. 72)

Mas claro, nem só de sexo fala o livro. Chelsea também dedica alguns capítulos contando de forma sátira, como foi crescer como a caçula numa família de seis filhos, de pai judeu e mãe mormon. Os conflitos com o pai, o relacionamento com os irmãos, e amigos. Como não poderia ser diferente, a história é contada de forma extremamente coloquial e direta, com muito cinismo e comicidade, Chelsea não deixa barato e faz muita piada de si e das situações em que se mete tentando saciar seu vício por sexo.

“Ver sua mãe pelada não é uma situação fácil de se recuperar. Ver sua mãe pelada e pulando de um lado para o outro de uma cama tamanho king, usando um chapeuzinho de enfermeira enquanto seu pai, também pelado, persegue-na com um lenço enrolado no pescoço, é motivo para se implorar para ser posto para adoção.” (pag. 2)

Saturday, March 17, 2012

The Story of a Shipwrecked Sailor (Gabriel Garcia Marquez)

“28 de Fevereiro de 1955, chegou com a notícia de que oito membros da tripulação do destroyer Caldas, pertencente à Marinha Colombiana, haviam caído no mar e desaparecido durante uma tempestade em águas caribenhas. O navio viajava de Mobile, Alabama, nos Estados Unidos, onde estava ancorado para reparos, para o porto de Cartagena na Colombia, onde chegou duas horas após a tragédia. (...) Uma semana depois, no entanto, um dos tripulantes reaparece quase morto numa praia deserta no nordeste da Colombia, após sobreviver durante dez dias sem comida ou água num bote salva-vidas. Seu nome era Luis Alejandro Velasco.” (pag. vi)

Em seis horas diárias de entrevistas durante vinte dias, Marquez questionou, explorou, e testou as respostas de Velasco em busca de contradições e falsas afirmações, resultando num relato conciso e concreto de seus dez dias à deriva. Para surpresa de Marquez, no quarto dia de entrevista, quando pede que Velasco descreva a tempestade que causou o desastre, ele responde com um sorriso: “Nunca houve uma tempestade.” (pag. vii)

“Um bote salva-vidas não tem proa ou popa, é quadrado e por vezes navega de lado, imperceptivelmente vira de um lado pro outro. Como não há ponto de referência, não se sabe se está movendo para frente ou para trás. O oceano é o mesmo em todas as direções. Então eu não sabia se o bote havia mudado de curso ou apenas navegava em círculos.” (pag. 43)

Primeiro o desespero, depois a certeza de que resgate aparecerá em breve,  esperança... quando as horas passam, escurece, amanhece, vem o frio, a fome, a sede, o perigo, o desespero novamente, a espera, a dor, as lembranças, a incerteza. Com o tempo todos os sentimentos se repetem num círculo vicioso e já não se sabe se se espera pela morte ou pela vida. Desistência.

“A verdade, nunca publicada até então, era a de que o navio, abatido violentamente pelo vento em mar-aberto, havia jogado sua carga mal-assegurada e seus oito marinheiros no mar. Essa revelação significava que três ofensas seríssimas haviam sido cometidas: primeiro, é ilegal o transporte de mercadorias em um destroyer; segundo, o excesso de peso não permitiu que o navio manobrasse para resgatar os marinheiros; e terceiro, a carga era contrabando — geladeiras, televisões, e máquinas de lavar.” (pag. viii)

Relato de Um Náufrago é uma reconstrução jornalística de Marquez baseado no que lhe foi dito pelo sobrevivente do naufrágio. O que Marquez não contava é que sua investigação dos fatos causaria tumulto e perseguição política, ao ter segredos da Marinha Colombiana revelados ao público bem naquele tenso período do regime ditatorial colombiano. Talvez a verdade nunca tivesse vindo a tona se o destroyer tivesse manobrado e conseguido resgatar seus tripulantes. E Marquez jamais teria sido envolvido na história de Velasco. E como consequência, o El Espectador não teria sofrido represálias, resultando no fechamento do jornal meses depois das publicações. No entanto, mesmo com toda a pressão, ameaças, e tentativas de suborno, Luis Alejandro Velasco, nunca voltou atrás em nenhuma palavra de sua história. 

Saturday, March 10, 2012

Poema de Sábado

Hoje é outro dia

Quando abro cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova...

Mario Quintana,
A cor do invisível, pag. 21

Saturday, March 3, 2012

Poema de Sábado

Essa lembrança que nos vem

Essa lembrança que nos vem às vezes...
folha súbida
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança... mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa, 
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...
Ai! tão perdida
que nem possa saber mais de quem!

Mario Quintana
A cor do Invisível, pag. 112.