Minha vontade ao ler as primeiras linhas de As Três Marias foi colocar Guta no colo e abraçá-la apertado. Maria Augusta perde a mãe muito cedo. O pai casa novamente e a madrasta, apesar de tratá-la decentemente, decide mandá-la para um internato, um colégio de freiras no Ceará... é aqui que a história começa...
Como toda novata em um ambiente desconhecido, Guta sofre os olhares curiosos e comentários das veteranas. Tímida, envergonhada e pouco comunicativa, Maria Augusta sente-se sozinha, abandonada pelo mundo e a família, sem amigos, sem lar, sem o amor que tanto necessita. É no internato que ela passará grande parte da história - seu fim de infância e começo da adolescência - onde o mundo lá fora parece um sonho irreal, um planeta distante que só se ouve falar, mas nunca se consegue realmente ver.
Maria da Glória e Maria José, complementam o trio que dá nome a história - e sugerido pela Irmã Germana, alusão à constelação das Três Marias (Orion) - em pouco tempo as três viram uma. Amigas confidentes, apesar de tão diferentes - personalidade, história de vida, vontades e desejos - e o leitor acompanha o desenvolvimento dessas três meninas, suas fantasias sobre o mundo lá fora, as dores, as decepções de vidas inexperientes, privadas de conhecimento exterior... acreditavam no amor dos livros, dos romances franceses que entravam às escondidas no colégio e passavam de mão em mão, tantos e tantos deles."Na cama - tudo calado - (...) minha tristeza afinal explodiu, e chorei, chorei até esgotar todos os soluços, todas as lágrimas, chorei até dormir, exausta, desarvorada, rolando a cabeça dolorida, sem repouso, no travesseiro quente e duro". (pag. 17)
Compartilhavam não apenas o tempo e as idéias, mas também amores... Maria da Glória, que aprendera a tocar violino com o falecido pai, tem a oportunidade de tocar com a orquestra do Teatro local. É lá que conhece e se apaixona pelo moço estrangeiro, seu primeiro amor, dividido e experienciado com a mesma intensidade pelas outras duas.
"Ele começou a namorar com Glória, logo que entendeu os olhos com que o olhava, e foi como se nos namorasse a todas, porque todas a três começamos a amá-lo, embora Maria José e eu nunca o tivéssemos visto". (pag. 58)
Mas o tempo passa, elas crescem, e a vida fora do convento não é tão surreal quanto parece. O peso de ser gente grande é duro de carregar. O destino as levam para direções diferentes mas a amizade permanece e através das três percebe-se o tema que marca várias obras de Rachel de Queiroz - a representação da mulher na sociedade, seu papel. Glória casa bem, e logo é mãe. Maria José casa com sua religião enquanto leciona para crianças. Guta recusa-se a virar empregada da própria família, muda para a capital e vira datilógrafa, tem sede de aventuras, quer experimentar, quer deixar o cais.
Os personagens secundários tem suas histórias começadas e terminadas praticamente no mesmo capítulo e esse foi um detalhe que eu gostei na obra de Rachel, não tem enrolação... não é preciso esperar ansiosa por capítulos e capítulos para saber no que acaba aquele fato. O cenário nordestino como pano de fundo me fez ter saudades dos meus meses de férias no Ceará... o sertão de Juazeiro, as viagens de ônibus por aquelas estradas de terras áridas, cactosas.
A escrita é simples, narrado em primeira pessoa por Maria Augusta, o que permite que o leitor compartilhe seus sentimentos profundos, suas dores, suas curiosidades, fatos não compartilhados com Glória e Maria José. É um livro delicioso de ler, leitura rápida mas agradável, Guta demonstra força e iniciativa em muitos momentos decisivos em sua vida, mas acredito que a passividade em outros tantos momentos, alguns podem dizer inexperiência, evita que ela quebre o ciclo, tome o próximo passo. É como se ela não acreditasse nela mesma e deixasse as coisas correrem... a vida levar.
E no final me peguei novamente querendo colocá-la no colo e abraçá-la apertado...
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